Rei do nordeste



Não é por acaso que certas pessoas se tornam mitos. Para chegar a essa definição precisei ir além das páginas biográficas. Tive que viajar. Chegar em Caruaru-PE e conhecer o orgulho nordestino estampado no sorriso da vendedora de tapiocas que disse “esse é o nosso Rei do Baião!”. A frase cheia de ênfase foi dita, enquanto colocava a carne seca na tapioca e de rabo de olho prestava atenção na televisão, que na época e horário passava a mini-série “Gonzaga - De pai pra Filho”.

Luiz Gonzaga do Nascimento, filho do sanfoneiro Januário José Santos e da dona de casa Ana Batista de Jesus, tornou-se retirante por causa de um sonho. No Rio de Janeiro cantou aos quatro cantos: “quando olhei a terra ardendo. Com a fogueira de São João. Eu perguntei a Deus do céu, ai. Por que tamanha judiação... Que braseiro, que fornalha. Nem um pé de plantação. Por falta d’ água perdi meu gado. Morreu de sede meu alazão. Até mesmo a asa branca bateu assas do sertão...”

Quem visita o agreste pernambucano percebe que o chão continua árido. Em contrapartida, o povo também continua alegre. Na estação do forró de Caruaru – onde ocorre o maior São João do Brasil – a música de Luiz Gonzaga até hoje é ecoada, dançada e responsável por embalar muitos namoros. O rei do baião gravou 200 discos e vendeu mais de 300 milhões de cópias. A música “Asa Branca”, cantada por mais de 100 intérpretes, é considerada o hino do nordeste.

A saga de Luiz Gonzaga, filho da cidade de Exu–PE, foi fazer a junção dos sons do triângulo da zabumba e da sanfona em um ritmo único. Muito sulista e até gringo teve que parar para ouvir os martírios e sofrimentos de um povo esquecido. Até então, o baião não tinha vez frente à bossa nova. Isso, até o retirante Luiz Gonzaga começar a despontar. Carreira frutífera, composições e inspirações que fizeram do filho Gonzaguinha também um artista. O rei do Baião fez história. O mais difícil é entender porque só no ano do seu centenário ele foi protagonista de um filme longa metragem.

O ator que o interpreta no “Gonzaga - De pai pra Filho”, Adélio Lima Andrade (Foto) é também agente cultural no museu do Barro de Caruaru-PE. Para ele participar do filme e ainda mais “sendo” o Luiz Gonzaga adulto foi um presente de Deus. “Eu aguardei 25 anos por essa oportunidade. Além de fechar um ciclo, pude mostrar que nós aqui também fazemos arte”.

O ator disse com lágrimas nos olhos que, durante os bastidores da gravação do filme, a atriz Nanda Costa, comentou “Adélio trouxe o cheiro do nordeste com toda a carga emotiva”. Senti nesse momento a honra que foi para ele representar um mito. Gonzaga foi “um matuto que inventou o nordeste. Depois que ele surgiu na mídia foi que o resto do país olhou pra gente com mais carinho”, concluiu.





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